sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Opinião: "se Deus não existe, tudo é permitido"

por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

Nós passamos mais da metade da campanha eleitoral debatendo um tema da maior importância, mas pelo viés errado. O aborto. Quase como se fossemos noviços em um convento sendo doutrinados sobre o que é ou não é santificado.
O que se esconde por trás dessa situação limite para qualquer mulher, isso passou ao largo porque para os políticos é mais fácil ficar no terreno espiritual do que no material.
Simone de Beauvoir, a respeito do forte pensamento de Dostoievski que abre este artigo, disse que se Deus não existe, isso não significa, como pensa o homem moderno, que tudo é permitido. Ao contrário, disse ela, sem um poder exterior, tudo é de nossa inteira responsabilidade: um deus pode perdoar, apagar, remir, mas se Deus não existe, nossos erros são inexpiáveis.
Crer ou não crer é problema muito íntimo e pessoal e não cabe a ninguém entrar nessa seara. Respeitar a fé alheia é o que se espera de cada um de nós e naturalmente, na mesma medida, das autoridades constituídas. Uma das grandes vitórias da Revolução Francesa – e olha que não foram poucas as vitórias daquele movimento – foi o estabelecimento do laicismo como política de Estado.
Fugir de tema tão espinhoso como sendo problema espiritual das mulheres é que não dá... Francamente, aí entramos no terreno do desrespeito ao eleitor. O que precisava ser debatido, a sério e a fundo, a Saúde Pública e o Planejamento Familiar, ficaram soterrados sobre quem está certo,  quem está errado.
Quer dizer, não foi tema debatido visando esclarecer o eleitor sobre quais os projetos deste ou daquele partido político; foi tema usado para agredir, xingar, caluniar, desrespeitar o outro. Uma vergonha.
Alguns hão de pensar: e daí? Falar nisso hoje, a menos de 48 horas do encontro com a urna? É. Pode ser que já esteja um pouco tarde, mas ainda tenho esperança que o eleitor pare e pense: o que é que eu quero para mim e os meus? Não precisa falar em voz alta. Pode pensar com os seus botões ou laçarotes: mas, por favor, pense bem.
Alguns analistas dizem, e eu creio nisso, que muitas pessoas ainda não estão com o voto definido, o que só será feito quase que diante da urna. Não sei se é coincidência, mas o fato é que conheço bastante eleitores nessa situação.
Aliás, uma coisa muito estranha ocorreu nesta campanha: o eleitor mais consciente, mais informado, mais atento ao noticiário e que mais se interessou pela campanha, é o que está mais confuso.
Claro está que não me refiro aos que saíram dos 20 anos marcados a ferro e fogo: esses não mudam de ideia nunca. Entra ano, sai ano, o mundo se modifica de forma espantosa e lá está ele, com o mesmo pensamento de 50 anos atrás.
Não pensem que me refiro aqui a algum partido especial. Não é nada disso. É mais aquele cidadão que tinha 20 anos nas décadas de 60/70 – esse parece que empedrou. Não muda. Se é de direita, acha que comunista come criancinha no alho e óleo, que os ateus são monstros e que ler Karl Marx é atraso de vida; se é de esquerda, hoje é um burguês refinado, cheio de criados a quem paga mal e explora diuturnamente, mas é contra o capitalismo e bate no peito a favor das políticas sociais. Desde que não sejam praticadas em sua casa...
Agora, nestas últimas horas, surgem dois movimentos um tanto ou quanto assustadores: um sentimento de revolta contra Bento XVI pelo único fato dele ter cumprido com a obrigação de qualquer líder religioso, orientar seus fiéis. Não vejo a mesma revolta quando os bispos da IURD falam... e esses são bem falantes!
É ou não é tragicômico? Passaram os últimos meses exibindo e gritando sua fé – agora que um pastor de milhões de almas falou, caem em cima dele. Sinceramente, não dá para entender.
Esquecidos estão os hepáticos que ouve e segue um líder religioso quem quer. O que fica muito bobo é o cidadão se dar ao luxo de criticar a religião do outro. Cada um na sua, façam esse favor a si mesmos.
O outro movimento, mais apavorante ainda, é esse súbito furor legislativo nas Assembléias estaduais – voltado para o tal conselho destinado a normatizar e fiscalizar a mídia. Essa é a verdadeira superbactéria – a que vai nos matar se não for erradicada no nascedouro!
Essa febre tem que ser erradicada e é urgente. Passa a ser, de hoje em diante, até que morra de inanição, a minha bandeira. Quero poder continuar a palpitar sobre meu país, meu estado, minha cidade, minha rua. E quero, sempre que possível, perguntar: de que se riem tanto nossas autoridades? Onde está a graça?

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