A revoada de bandidos apavorados em fuga e a prisão de líderes acovardados podem ir além do espetáculo das imagens televisionadas? Podem servir para desfazer o retrato mitificado dessas criaturas? Estilhaçar o seu glamour de "vencedores", de endinheirados e poderosos? Tomara que sim. Traficantes "bem sucedidos" não podem continuar como referência positiva para adolescentes e crianças de comunidades sem outros modelos de vida "recompensadores".
Exemplar o cerco e a retomada de território no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Em vez de um confronto armado violento com vítimas inocentes, manobras planejadas com inteligência. Esforços conjuntos e apoio logístico para a missão traçada. Sem hipocrisia: uma situação de guerra é uma situação de guerra. O poder do estado enfrentou legitimamente o poder paralelo dos traficantes; guerreou com uma estratégia, com um código de ética e protegeu os civis. Era tempo.
O Complexo do Alemão não é uma favela num pedaço de encosta que se avista num único olhar. São muitas favelas interligadas que se estendem por cinco bairros suburbanos: Penha, Inhaúma, Olaria, Ramos e Bonsucesso. Bairros tradicionais e agradáveis antes do poder público permitir a ocupação desordenada de seus espaços vazios, deixando-os sem lei... Nem beira. Perderam até empresas e indústrias que partiram em retirada, abandonando seus galpões ao léu.
O casario clandestino se replicou na região. Ramificou-se criando um labirinto de ruelas e becos numa área ondulada, pontuada de elevações, encostas e grotas que passou a ser habitada por milhares de pessoas. Área que se transformou numa "cidade" intensamente povoada, mas desprovida de serviços urbanos: propícia para um reduto do tráfico de drogas.
No final de semana, a maior parte dos cariocas ficou de prontidão. Tensa. O Complexo do Alemão seria invadido por policiais civis, militares e federais; por fuzileiros navais e paraquedistas, numa operação com blindados das Forças Armadas. Quanto mais informação, mais angústia.
Por que tanta angústia? Porque havia o temor do Rio se transformar em palco de uma carnificina. E se a estratégia policial não desse certo? Se os bandidos, mesmo cercados, resistissem? Reagissem com alguma tática surpreendente?
Não dava para esquecer a "megaoperação" montada em junho de 2007, para invadir o mesmo Complexo do Alemão. Daquela vez houve a participação de policiais civis, militares e soldados da Força Nacional. O objetivo era atacar o refúgio, tomar o paiol de armas e munição, desarticular o centro de distribuição de drogas. A "megaoperação" terminou com 19 mortos e 13 pessoas feridas; entre elas sete vítimas de balas perdidas, como uma estudante que estava na escola e uma criança.
Desta vez, a maior diferença foi a aprovação popular entusiasmada com a superioridade de aparelhamento, que dava sentido à invasão para a retomada do território. Sobretudo os blindados da Marinha com suas "lagartas", os do Exército e os veículos do Bope. Havia a brigada paraquedista, os agentes das polícias Federal, Militar e Civil. Eram mais de dois mil homens em ação. E os moradores os ajudavam por meio do disque-denúncia e do jeito que podiam.
Para quem não costuma transitar pelas ruas do Rio, principalmente aquelas além dos limites da nobre Zona Sul, deve ser difícil entender a emoção de quem viu e sentiu as chamadas "forças do bem" triunfarem. Porém, é bastante simples. Quem mora longe do trabalho e batalha muito para criar os filhos, enxerga o "mal" naquilo que possa desgraçar sua família.
Ateneia Feijó é jornalista
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