Há muito tempo tenho demonstrado que nossa mistura racial e nossa religião majoritária são responsáveis por nosso masoquismo. Adoramos sofrer, para nos purificarmos e irmos para o céu; prezamos um luto fechado lusitano, tanto que festejamos nossos enterros, como o de Tancredo, e desprezamos nossos heróis, como Amyr Klink. Agora a eleição vem reiterar essa constatação. Há, na capital do país, um candidato a deputado federal que proporcionalmente fez três vezes mais votos que Tiririca. Mas o país todo insiste em só falar do palhaço. O jovem Antônio Reguffe, mais votado como deputado local, candidatou-se agora a deputado federal, com a bandeira de sempre: a ética. Idealista, sincero, pôs em prática durante o mandado local todas as suas idéias e promessas. Cortou despesas de seu gabinete, devolveu dinheiro, compareceu a todas as sessões, denunciou a corrupção que está impregnada na política de Brasília. E se candidatou a deputado federal, sem praticamente fazer propaganda. Não precisou.
De cada cinco eleitores que foram as urnas, um votou nele. Fez 266 mil votos numa soma de 1 milhão 397 mil votos válidos - 19%. Para igualar-lhe o feito, Tiririca teria que fazer 4 milhões 323 mil votos. O palhaço teve 6% dos 22 milhões 573 mil votos válidos de São Paulo. Mas o moço de Brasília, até agora, não apareceu como modelo. Tiririca, sim, está em todas, como exemplo do circo nacional. Entre um modelo ético e um palhaço, ficamos com a palhaçada.
Pelo menos na eleição presidencial estamos mostrando o paradoxo: a derrotada foi quem venceu. Marina, no primeiro turno, conquistou um segundo turno para Serra e Dilma. Para o eleitor ter mais quatro semanas para pensar. Marina veio do longínquo Acre, mais perto do Oceano Pacífico que do Atlântico. Está num partido pequeno, o PV. E conquistou quase 20 milhões de corações e mentes. Lula, enquanto foi candidato só do PT, nas três tentativas em que perdeu, só na última igualou-se a Marina em votos.
Marina não é biônica, não é transgênica; é um produto orgânico. É gente e não sabonete embalado por marqueteiro; não é boneca de ventríloquo. Mostrou-se com personalidade, sincera, autêntica. A mesma autenticidade que a tirou do governo. Deixa essas lições para os dois que ficaram para o segundo turno. Mesmo sem a maciça propaganda e horários amplos na propaganda obrigatória, foi a quase 20 milhões de votos. Elegeu o segundo turno. E agora tem o poder de eleger presidente. Não que o eleitor dela aceite cabresto; quem votou em Marina é eleitor cabeça, que não se deixa conduzir por uma palavra de ordem de um candidato. Mas se Marina decidir subir algum palanque, ela poderá ungir a quem ela abraçar e disser: nesta pessoa, posso confiar meu projeto. Não são, Marina e Reguffe, exemplos de que nem tudo está perdido?
Alexandre Garcia é jornalista em Brasília e escreve semanalmente em Só Notícias
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